segunda-feira, 2 de setembro de 2013

I have a dream - Marthin Luther King





            Nesses 50 anos do discurso de Martin Luther King e seu sonho de ver uma América livre do preconceito e da discriminação racial, sabemos que existe um longo caminho para que esse sonho possa ser alcançado. Não podemos negar nem que ocorreram avanços, porém se esboça um longo caminho pela frente.

Uma pesquisa recente feita pela socióloga da Michelle Alexander da Universidade de Ohio mostrou que hoje nos Estados Unidos existem mais negros na prisão do que o número de negros escravos naquele país em 1850. Este exemplo aponta que a sociedade estadunidense precisa resolver ainda sérios problemas para a  inserção do negro O fato dos Estados Unidos da América ter atualmente um presidente e vários artistas e atletas negros de destaque não significa que o problema do negro nesta sociedade foi resolvido.

O caso do Brasil também é muito grave. Quando olhamos para a luta dos negros pelo fim de todas as formas de discriminação, podemos apontar que apesar das conquistas como a valorização da negritude, criminalização dos atos de racismo e políticas de ações afirmativas, não podemos negar que a discriminação e o racismo ainda estão presentes no seio de nossa sociedade. Recentemente pudemos vê-lo ressurgir com a hostilidade que vem sofrendo os médicos cubanos e a pergunta que se faz é a seguinte. Se fossem médicos finlandeses os protestos por alguns setores médicos e entidades de classe seriam os mesmo?

A discriminação que os negros sofrem no Brasil ficou explícita nesse caso, mas não se resumem a ele. Ela pode ser comprovada pelos indicadores sociais, sejam eles educacionais, de moradia, nível de emprego e de cargos de chefia, na perseguição que sofrem as religiões de matrizes africanas e na invisibilidade que o negro é acometido em vários setores da vida social brasileira.

A luta pelo fim de todas as formas de discriminação e igualdade social entre as várias etnias que compõem um país tem que avançar tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, para que a democracia racial seja uma realidade, e não apenas construção ideológica. Por isso, o discurso feito por Martin Luther King embora dirigido para a sociedade norte-americana ainda nos inspira a seguir na luta, conjuntamente com todos aqueles que acreditam que uma sociedade em que as pessoas sejam medidas por suas qualidades, e não pelo tom de sua pele possa ser tornar uma realidade.

 


O líder Martin Luther King Jr. é recebido por sua mulher, Coretta, após deixar a corte de Montgomery, Alabama (EUA), em março de 1956



O reverendo Martin Luther King Jr. posa ao lado do líder negro Malcolm X, em 1963





Martin Luther King Jr. com sua mulher, Coretta Scot King, e seus três filhos, Martin Luther King III (de pé), 5 anos, Dexter, 2, e Yolanda, 7, em março de 1963






Martin Luther King Jr. durante seu famoso discurso "I Have a Dream", feito para 250 mil pessoas em Washington, no dia 28 de agosto de 1963







Martin Luther King Jr. recebe o Nobel da Paz das mãos de Gunther Janh, do comitê do prêmio, em Oslo, Noruega, em 10 de dezembro de 1964



Edição de 5 de abril de 1968 jornal The Washington Post destaca o assassinato do ativista pelos Direitos Humanos e pastor batista Martin Luther King Jr.


'EU TENHO UM SONHO'
MARTIN LUTHER KING JR.
Estou feliz em me unir a vocês hoje naquela que ficará para a história como a maior manifestação pela liberdade na história de nossa nação.
Cem anos atrás um grande americano, em cuja sombra simbólica nos encontramos hoje, assinou a proclamação da emancipação [dos escravos]. Este decreto momentoso chegou como grande farol de esperança para milhões de escravos negros queimados nas chamas da injustiça abrasadora. Chegou como o raiar de um dia de alegria, pondo fim à longa noite de cativeiro.
COMENTÁRIO King discursou no Memorial de Lincoln, em Washington, aos pés da estátua de 30 metros de altura em que o presidente aparece sentado; a proclamação de emancipação, a que King se refere, foi um decreto que Lincoln editou em 22 de setembro de 1862, entrou em vigor em 1 de janeiro do ano seguinte e tornou livres todos os escravos do país, mas que não acabou com a escravidão, o que só ocorreu após a ratificação da 13ª emenda à Constituição, em 1865; as diferenças entre a emancipação dos escravos e efetiva abolição da escravatura são temas centrais do filme "Lincoln", de Steven Spielberg.
Mas, cem anos mais tarde, o negro ainda não está livre. Cem anos mais tarde, a vida do negro ainda é duramente tolhida pelas algemas da segregação e os grilhões da discriminação. Cem anos mais tarde, o negro habita uma ilha solitária de pobreza, em meio ao vasto oceano de prosperidade material. Cem anos mais tarde, o negro continua a mofar nos cantos da sociedade americana, como exilado em sua própria terra. Então viemos aqui hoje para dramatizar uma situação hedionda.
Em certo sentido, viemos à capital de nossa nação para sacar um cheque. Quando os arquitetos de nossa república redigiram as magníficas palavras da Constituição e da Declaração de Independência, assinaram uma nota promissória de que todo americano seria herdeiro. Essa nota era a promessa de que todos os homens, negros ou brancos, teriam garantidos os direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à busca pela felicidade.
É evidente hoje que a América não pagou esta nota promissória no que diz respeito a seus cidadãos de cor. Em lugar de honrar essa obrigação sagrada, a América deu ao povo negro um cheque que voltou marcado "sem fundos".
Mas nós nos recusamos a acreditar que o Banco da Justiça esteja falido. Nos recusamos a acreditar que não haja fundos suficientes nos grandes depósitos de oportunidade desta nação. Por isso voltamos aqui para cobrar este cheque --um cheque que nos garantirá, a pedido, as riquezas da liberdade e a segurança da justiça.
Também viemos para este lugar santificado para lembrar à América da urgência ferrenha do agora. Não é hora de dar-se ao luxo de esfriar os ânimos ou tomar a droga tranquilizante do gradualismo. Agora é a hora de fazermos promessas reais de democracia. Agora é a hora de sairmos do vale escuro e desolado da segregação para o caminho ensolarado da justiça racial. É hora de arrancar nossa nação da areia movediça da injustiça racial e levá-la para a rocha sólida da fraternidade. Agora é a hora de fazer da justiça uma realidade para todos os filhos de Deus.
Seria fatal para a nação passar por cima da urgência do momento e subestimar a determinação do negro. Este verão sufocante da insatisfação legítima do negro não passará enquanto não chegar um outono revigorante de liberdade e igualdade.1963 não é um fim, mas um começo.
COMENTÁRIO No verão de 1963, antes da Marcha sobre Washington, o presidente Kennedy enviou tropas da Guarda Nacional para garantir a matrículas de dois estudantes negros na Universidade de Alabama; Medgar Eves, dirigente da Associação Nacional para o Desenvolvimento das Pessoas de Cor, foi assassinado em Mississipi; diversos confrontos violentos entre manifestantes em favor dos direitos civis e policiais ocorreram em cidades do sul dos EUA.
Os que esperam que o negro precisasse apenas extravasar e agora ficará contente terão um despertar rude se a nação voltar à normalidade de sempre. Não haverá descanso nem tranquilidade na América até que o negro receba seus direitos de cidadania. Os turbilhões da revolta continuarão a abalar as fundações de nossa nação até raiar o dia iluminado da justiça.
Mas há algo que preciso dizer a meu povo posicionado no morno liminar que conduz ao palácio da justiça. No processo de conquistar nosso lugar de direito, não devemos ser culpados de atos errados. Não tentemos saciar nossa sede de liberdade bebendo do cálice da amargura e do ódio.
Temos de conduzir nossa luta para sempre no alto plano da dignidade e da disciplina. Não devemos deixar nosso protesto criativo degenerar em violência física. Precisamos nos erguer sempre e mais uma vez à altura majestosa de combater a força física com a força da alma.
A nova e maravilhosa militância que tomou conta da comunidade negra não deve nos levar a suspeitar de todas as pessoas brancas, pois muitos de nossos irmãos, conforme evidenciado por sua presença aqui hoje, acabaram por entender que seu destino está vinculado ao nosso destino e que a liberdade deles está vinculada indissociavelmente à nossa liberdade.
Não podemos caminhar sozinhos.
COMENTÁRIO Essa é uma referência implícita à clara divergência que havia entre King. e o outro grande líder negro da época, o muçulmano Al Hajj Malik Al-Shabazz, conhecido como Malcolm X, que tinha entre seus lemas "por qualquer meio necessário" para dar liberdade aos negros; Malcolm X via com desconfiança tanto a Marcha sobre Washington quanto a proposta de integração entre negros e bancos defendida por King; admitia o uso de violência para responder à violência dos brancos, inclusive a criação de um exército negro; achava que a prioridade dos negros deveria ser ajudarem-se entre si. Malcolm X foi assassinado em 1965.
E, enquanto caminhamos, precisamos fazer a promessa de que caminharemos para frente. Não podemos retroceder. Há quem esteja perguntando aos devotos dos direitos civis 'quando vocês ficarão satisfeitos?'. Jamais estaremos satisfeitos enquanto o negro for vítima dos desprezíveis horrores da brutalidade policial.
Jamais estaremos satisfeitos enquanto nossos corpos, pesados da fadiga de viagem, não puderem hospedar-se nos hotéis de beira de estrada e nos hotéis das cidades. Não estaremos satisfeitos enquanto a mobilidade básica do negro for apenas de um gueto menor para um maior. Jamais estaremos satisfeitos enquanto nossas crianças tiverem suas individualidades e dignidades roubadas por cartazes que dizem 'exclusivo para brancos'.
Jamais estaremos satisfeitos enquanto um negro no Mississippi não puder votar e um negro em Nova York acreditar que não tem nada em que votar.
Não, não estamos satisfeitos e só ficaremos satisfeitos quando a justiça rolar como água e a retidão correr como um rio poderoso.
COMENTÁRIO Referência à Bíblia (Livro de Amós, capítulo 5:24): "O que eu quero ver é antes a justiça correndo como o poderoso caudal de um rio - como uma torrente abundante de boas obras."
Sei que alguns de vocês aqui estão, vindos de grandes provações e atribulações. Alguns vieram diretamente de celas estreitas. Alguns vieram de áreas onde sua busca pela liberdade os deixou feridos pelas tempestades da perseguição e marcados pelos ventos da brutalidade policial. Vocês têm sido os veteranos do sofrimento criativo. Continuem a trabalhar com a fé de que o sofrimento imerecido é redentor.
Voltem ao Mississippi, voltem ao Alabama, voltem à Carolina do Sul, voltem a Geórgia, voltem a Louisiana, voltem aos guetos e favelas de nossas cidades do norte, cientes de que de alguma maneira a situação pode ser mudada e o será. Não nos deixemos atolar no vale do desespero.
COMENTÁRIO Estes quatro Estados eram os mais radicais em termos de segregação no país naquela época: em Mississippi, 86% das famílias negras (que constituíam quase a metade da população do Estado) viviam abaixo da linha da pobreza e só 5% dos negros tinham direito de voto; em Alabama, o governador George Wallace desafiou o presidente Kennedy e tentou impedir pessoalmente a entrada de dois estudantes negros para se matricularem na Universidade de Alabama; em Albany, Georgia, de dezembro de 1961 a agosto de 1962, King liderou uma série de protestos; em Louisiana, uma lei obrigava que todo sangue a ser usado em transfusões no Estado estivesse em frascos rotulados para indicar a raça do doador, e outra punia com cinco anos de prisão homem e mulher de raças diferentes que vivessem maritalmente juntos.
Digo a vocês hoje, meus amigos, que, apesar das dificuldades de hoje e de amanhã, ainda tenho um sonho.
É um sonho profundamente enraizado no sonho americano.
Tenho um sonho de que um dia esta nação se erguerá e corresponderá em realidade o verdadeiro significado de seu credo: 'Consideramos essas verdades manifestas: que todos os homens são criados iguais'.
COMENTÁRIO Citação do início do segundo parágrafo da Declaração de Independência dos EUA, de 1776; a mesma frase foi usada pelo presidente Barack Obama em seu segundo discurso de posse, em 20 de janeiro de 2013.
Tenho um sonho de que um dia, nas colinas vermelhas da Geórgia, os filhos de ex-escravos e os filhos de ex-donos de escravos poderão sentar-se juntos à mesa da irmandade.
Tenho um sonho de que um dia até o Estado do Mississippi, um Estado desértico que sufoca no calor da injustiça e da opressão, será transformado em um oásis de liberdade e de justiça.
Tenho um sonho de que meus quatro filhos viverão um dia em uma nação onde não serão julgados pela cor de sua pele, mas pelo teor de seu caráter.
COMENTÁRIO Yolanda, a filha mais velha, atriz e produtora teatral, morreu de ataque cardíaco em 2007, aos 51 anos; os três filhos sobreviventes, Martin Luther King 3º, 56, advogado, Bernice King 52, ministra da Igreja Batista, e Dexter King, 50, presidente do King Center, enfrentaram-se judicialmente durante anos pelos direitos do espólio do pai e da mãe, Coretta Scott que morreu em 2006.
Tenho um sonho hoje.
Tenho um sonho de que um dia o Estado do Alabama, cujo governador hoje tem os lábios pingando palavras de rejeição e anulação, será transformado numa situação em que meninos negros e meninas negras poderão dar as mãos a meninos brancos e meninas brancas e caminharem juntos, como irmãs e irmãos.
COMENTÁRIO Estudo acadêmico divulgado em abril de 2013 com base no Censo de 2010 dos EUA mostra que Birmingham, Alabama, é uma das 20 cidades com maior índice de segregação racial domiciliar.
Tenho um sonho hoje.
Tenho um sonho de que um dia cada vale será elevado, cada colina e montanha será nivelada, os lugares acidentados serão aplainados, os lugares tortos serão endireitados, a glória do Senhor será revelada e todos os seres a enxergarão juntos.
COMENTÁRIO Trecho inspirado pela Bíblia (livro de Isaías 40:4): "Todo o vale será exaltado, e todo o monte e todo o outeiro será abatido; e o que é torcido se endireitará, e o que é áspero se aplainará".
Essa é nossa esperança. Essa é a fé com a qual retorno ao Sul. Com esta fé poderemos talhar da montanha do desespero uma pedra de esperança. Com esta fé poderemos transformar os acordes dissonantes de nossa nação numa bela sinfonia de fraternidade. Com esta fé podemos trabalhar juntos, orar juntos, lutar juntos, ir à cadeia juntos, defender a liberdade juntos, conscientes de que seremos livres um dia.
Esse será o dia em que todos os filhos de Deus poderão cantar com novo significado: "Meu país, é de ti, doce terra da liberdade, é de ti que canto. Terra em que morreram meus pais, terra do orgulho do peregrino, que a liberdade ressoe de cada encosta de montanha".
COMENTÁRIO Versos iniciais do hino patriótico "América", cuja letra foi escrita pelo reverendo Samuel Francis Smith em 1831 com base na melodia do Hino da Inglaterra, e que durante parte do século 19 foi informalmente usado como Hino Nacional americano.
E, se quisermos que a América seja uma grande nação, isso precisa se tornar realidade.
Então que a liberdade ressoe dos prodigiosos picos de New Hampshire.
Que a liberdade ecoe das majestosas montanhas de Nova York!
Que a liberdade ecoe dos elevados Alleghenies da Pensilvânia!
Que a liberdade ecoe das nevadas Rochosas do Colorado!
Que a liberdade ecoe das suaves encostas da Califórnia!
Mas não só isso --que a liberdade ecoe da Montanha de Pedra da Geórgia!
Que a liberdade ecoe da Montanha Sentinela do Tennessee!
Que a liberdade ecoe de cada monte e montículo do Mississippi. De cada encosta de montanha, que a liberdade ecoe.
E quando isso acontecer, quando deixarmos a liberdade ecoar, quando a deixarmos ressoar em cada vila e vilarejo, em cada Estado e cada cidade, poderemos trazer para mais perto o dia que todos os filhos de Deus, negros e brancos, judeus e gentios, protestante e católicos, poderão se dar as mãos e cantar, nas palavras da velha canção negra, "livres, enfim! Livres, enfim! Louvado seja Deus Todo-Poderoso. Estamos livres, enfim!"
COMENTÁRIO Citação da canção "Free At Last" um "spiritual" do século 19 que aparece na compilação "American Negro Songs and Spirituals", feita por John Wesley Work Jr em 1910, que teve uma gravação célebre, feita em 1963, na interpretação de Sam Cooke e The Soul Stirrers.
Fonte: Folha de São Paulo 25/08/2013

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